MONTES CLAROS E OS CATOPÊS
Wanessa Priscila Aquino-Advogada, Agosto de 2018 Montes Claros-MG |
A TRADICIONAL FESTA DE AGOSTO DE MONTES CLAROS
As festas de agosto em Montes Claros são tradicionais e fazem parte da rica cultura local. Já é comum ver nas ruas os catopês, marujos e caboclinhos desfilando com suas roupas coloridas e homenageando o Divino, São Benedito e Nossa Senhora.
De acordo com o mestre dos catopês de Montes Claros, Zanza, quando as festas terminam, o trabalho continua. Já se preparam para a próxima vez que irão desfilar pelas ruas da cidade. Já encaminham os nomes dos festeiros, mandam fazer as roupas, enfim começam com todos os preparativos novamente. - Cada um tem sua roupa. Catopês são pobres. Têm uma única roupa arrumadinha para sair aos domingos e acaba usando essa também para desfilar nas festas de agosto. Por isso, muitas vezes alguns já não possuem mais roupa e temos de arranjar outras - conta. Segundo mestre Zanza, o maior problema que atinge o grupo é a questão financeira. Para ele a estrutura do grupo nesse aspecto ainda é precária, apesar da prefeitura ajudar um pouco. As pessoas geralmente contribuem com doações. - Muita gente compra fitas, panos e traz aqui para mim, para ser entregue ao grupo dos catopês. Até mesmo estudantes de medicina também doam roupas para nós - afirma mestre
Zanza.
HISTÓRIA
Zanza.
HISTÓRIA
Dia 16 de agosto mestre Zanza completa seus 71 anos de catopês.
- Meu avô que era escravo, porque o catopê era uma dança de escravos, juntamente com meu pai que foram os percussores dos catopês aqui na nossa região - explica ele.
Zanza admite não ter previsão para deixar o grupo que tanto ama. E afirma já ter percussores para que a tradição não morra.
-É uma emoção muito boa. Estou a muitos anos neste grupo. Para mim é uma obrigação manter o grupo vivo para manter também viva a tradição. Pretendo ficar no grupo até quando Deus permitir. Mas já estou ensinando aos meus filhos e netos para que possam me substituir no dia em que eu faltar - diz Zanza.
Zanza ainda brinca dizendo que seus filhos admiram a força e a vontade dele quando estar homenageando o divino.
- Meus filhos falam que eu posso estar até doente, mas que quando estou no meu grupo de catopês dançando pelas ruas da cidade e homenageando o divino, pareço ter o espírito de um jovem. A doença e todo mal então somem e surge um homem sadio e feliz desfilando pelas ruas de Montes Claros - comenta ele sorrindo.
Alguns dos participantes do grupo foram iniciados aos 3 anos de idade -segundo mestre Zanza.
Durante o ano viajam para outras cidades e regiões para apresentarem sua dança e se encontram com outros mestres para discutir sobre algo a respeito do grupo.
Possui uma relação amiga com outros grupos de outras regiões como Francisco Sá, Ituiutaba, Uberlândia, Juiz de fora, São Paulo, entre outros. Inclusive todo ano trazem grupos de fora para se apresentarem na cidade.
Mas o catopê não é só um grupo de dança para representar as tradições folclóricas da região. Serve também como uma escola, na qual mestre Zanza ensina a seus alunos lições de vida.
- O grupo parece um colégio. Aqui também converso com os jovens e as crianças a respeito de tudo. Eles recebem conselhos e ajuda, principalmente para seguir o caminho certo na vida. Muitos deles tiro da vida desenganos e caminhos errados para dançarem no grupo - relata ele.
Para mestre Zanza é muito ruim quando um amigo morre. Para os catopês é uma perda irreparável. Todos sentem falta.
- Muitos da minha época já estão falecidos, ainda restam alguns. É muito desastroso quando isso acontece. Mas o grupo não pode parar. Não pode deixar a fonte secar - explica ele.
Dois de seus grandes companheiros falecidos são Senhor Carpinteiro Côo era chamado pelos amigos e conhecidos e Zezinho Mutagem.
CURIOSIDADE
Mestre Zanza |
Mestre Zanza conta em exclusividade a O NORTE que em um determinado dia em que Maria Cossudinha faleceu, no dia 17 de agosto, ele e seu grupo foram chamados para carregar o caixão até a igreja da matriz. Que nesse dia quando tocaram os tambores e quando o canto começou, uma energia diferente dominou a cena. Segundo mestre Zanza, Maria Cossudinha era da religião da umbanda e que muitos da irmandade naquele dia desmaiaram. Uma coisa mística e curiosa.
CATOPÊS DE MONTES CLAROS
Dentro do nosso folclore, as Festas de Agosto são,
sem nenhuma dúvida, a festa de maior participação popular. Não se sabe precisar
quando começaram. Mas o fato é que a mais antiga notícia data de 23 de maio de
1838, quando Marcelino Alves requereu junto à Câmara Municipal "licença
para tirar esmolas para as festas de Nossa Senhora do Rosário e do Divino
Espírito Santo, que pretendia fazer nessa freguesia". São, portanto, pelo
menos 170 anos que os Catopês, Marujos e Caboclinhos percorrem as ruas de
Montes Claros, seguindo seus reis, rainhas, imperadores, imperatrizes,
princesas, etc., cantando, dançando e louvando seus santos de devoção.
Nesses grupos estão representadas as três raças que
originaram o brasileiro. Os Marujos são de origem européia e narram as
aventuras dos marinheiros descobridores, Os Caboclinhos são os nossos índios. O
Grupo é formado em sua maioria de crianças. Falam das brincadeiras dos nossos
curumins. Os Catopês são de origem africana. E é sobre esses últimos que
desenvolveremos nosso trabalho.
A ORIGEM
Como foi dito acima,
os Catopês são de origem africana. Os negros, quando vieram escravizados,
trouxeram consigo suas crenças e tradições. Continuaram homenageando seus reis
e cultuando seus deuses. Um desses reis foi o famoso "Chico Rei",
escravo na região de Ouro Preto, mas que era príncipe em sua tribo africana.
Aqui, os seus súditos e companheiros de escravidão o fizeram rei e, de acordo
com a tradição, comandava as festas de culto a seus deuses. Chico Rei tornou-se
célebre por ter, juntando aos poucos ouro em pó que trazia das minas misturado
aos cabelos, conseguiu comprar sua própria liberdade. Uma vez homem livre,
conseguiu ainda a liberdade de vários de seus companheiros de infortúnio.
Na falta de um rei verdadeiro, elegiam alguém,
entre eles, para que os representasse e assim faziam o seu cerimonial.
Como aconteceu com a macumba, o candomblé, a
umbanda, os negros relacionaram seus deuses aos santos da Igreja Católica e
passaram a cultuar Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.
O CATOPÊ DE MONTES CLAROS
Embora da mesma origem dos Congados, Moçambiques e
outros similares de outras regiões, o nosso Catopé, talvez por ter ficado
isolado dos outros irmãos, com o tempo foi adquirindo características próprias,
a começar do próprio nome, Catopê, que seria o nome da dança ou do ritmo, como
o batuque.
Os Catopês são um grupo de homens, a que chamam
terno, adultos ou crianças. Apenas de poucos anos para cá algumas mulheres têm
participado. Usam calças brancas, a camisa de manga comprida também branca. Na
cabeça, um capacete enfeitado com espelhos, aljôfares e miçangas. Deste
capacete, até quase ao chão descem fitas coloridas a larguras variadas. O
capacete dos chefes, além desses enfeites, traz no topo penas de pavão. Como
geralmente o capacete é feito pelo próprio Catopê, a sua aparência vai depender
inteiramente do gosto de cada um e do poder aquisitivo para compra dos adornos,
que na maioria é baixo. Mas, aquele cuidadoso, a cada ano, vai acrescentando
alguma coisa, mais umas fitas, mais aljôfar, etc.
No início, aqui em Montes Claros, o
terno era composto apenas por negros, mas, hoje em dia, não existe mais essa
exclusividade, ao contrário do que acontece em outras cidades, como Minas
Novas, por exemplo, onde existem duas congregações, a dos Homens Negros e a dos
Homens Brancos.
Atualmente, temos aqui em Montes
Claros três ternos de Catopês. Dois de Nossa Senhora do Rosário e um de
São Benedito.
A MÚSICA
A música do Catopê é
melodicamente pobre, predominando o ritmo, tanto que o seu instrumental é
exclusivamente de percussão. São tamborins, pandeiros e caixas, em geral
fabricados por eles mesmos, usando couro de cabrito.
Cantam sempre sob o comando do mestre, que canta
uma estrofe e todo o grupo responde. Apesar da pouca musicalidade, a riqueza do
ritmo e o arranjo dos instrumentos dão um efeito de rara beleza e emoção.
Antigamente, as Festas de Agosto realizavam-se nos
dias 16, 17 e 18 de agosto. Aliás, começavam no dia 15, com o mastro de Nossa
Senhora do Rosário. Dia 16, pela manhã, o desfile do Reinado de Nossa Senhora
do Rosário e, à noite, o mastro de São Benedito. Dia 17, pela manhã, o Reinado
de São Benedito e, à noite, o mastro do Divino. Dia 18, pela manhã, o desfile
do Império do Divino. Um detalhe é que nos dias de Nossa Senhora e de São
Benedito desfilavam um rei e uma rainha. Já na festa do Divino, era um imperador
e uma imperatriz.
Atualmente, faz-se a festa no fim de semana mais
próximo a essas datas, a fim de facilitar para os participantes dos grupos,
geralmente pessoas de baixa renda, operários que têm dificuldade de justificar
a falta ao trabalho.
Nos desfiles dos reinados, os Catopês e os outros
grupos conduzem o rei e a rainha - acompanhados de princesas, príncipes, damas
da corte, etc. - até a Capela de Nossa Senhora do Rosário, onde é rezada a
missa, com a participação dos grupos. Em seguida, é servido o almoço para todos
os participantes. Este almoço é de responsabilidade dos pais do rei e da
rainha, ou do imperador e da imperatriz.
Aqui tem um detalhe que diferencia bastante o nosso
Catopê dos Congados de outras cidades. Nos Congados, o rei e a rainha são
sempre negros e adultos. Pessoas ligadas diretamente aos ternos.Em Montes
Claros, são sempre crianças, independente da raça, sorteadas entre as famílias
que se inscrevem pleiteando a realização da festa. Geralmente em cumprimento de
promessas.
Tive certa vez uma explicação a respeito de tal
diferença, ou seja, porque crianças - a maior parte brancas - e não adultos
negros. A justificativa é a seguinte: essa festa era exclusiva das senzalas.
Apenas os escravos participavam. Acontece que era costume, não só aqui como em
todas as partes, a mãe-preta, uma escrava que amamentava os filhos do senhor.
Para essa função era sempre escolhida uma mulher de boa saúde e de boa índole,
em quem os patrões pudessem confiar suas crianças. E sempre acontecia que essa
escrava, pelo fato de alimentá-las com seu leite, acabava por se sentir meio
mãe, apaixonada e dedicada ao "sinhozinho" ou à
"sinhazinha".
Dizem que numa época, uma criança filha de um
fazendeiro adoeceu, doença grave. Tentou-se os recursos médicos da época sem
resultados. Foi quando entrou em cena a mãe-preta, desesperada com a quase
certeza da perda do "filho". Diz aos pais da criança que ia fazer uma
promessa a São Benedito, pedindo pela vida do menino e que, se ele se salvasse,
sairia como rei na festa dos escravos. Os pais, que a essa altura já estavam
recorrendo a qualquer coisa que lhes desse uma esperança, aceitaram o
compromisso. O fato é que a criança começou, logo em seguida, a sentir melhoras
e, em poucos dias, estava inteiramente sã. O pai cumpriu a promessa da escrava
e, ano seguinte, pela primeira vez, um menino branco foi o rei na festa dos
negros.
A notícia do milagre correu. A partir daí é que
houve a mudança. A festa saiu da senzala. Os patrões passaram a participar e a
promovê-la. Sempre pagando promessa feita a Nossa Senhora do Rosário e a São
Benedito, tradição que até hoje é mantida.
Fonte:
-http://onorte.net/montes-claros/os-catop%C3%AAs-de-minas-e-suas-tradi%C3%A7%C3%B5es-ainda-marcam-a-hist%C3%B3ria-do-estado-1.518091
-https://patrimonioculturalmoc.blogspot.com/2011/10/catopes-de-montes-claros.html
-http://www.montesclaros.mg.gov.br/agencia_noticias/2015/ago-15/not_11_08_15_4146.php
-http://www.montesclaros.mg.gov.br/agencia_noticias/2015/ago-15/not_11_08_15_4146.php