AVIÕES CHEGAM DA ÁFRICA PARA BOMBARDEAR NUVENS EM MONTES CLAROS
Toró hightech: técnica usa aviões com agentes específicos que ajudam a formar gotas pesadas (Getty Images |
Aviões chegam da África para bombardear em Montes Claros
Os aviões da empresa modclima Serviços Aéreos chegaram da África para, essa semana, iniciar o bombardeio de nuvens em Montes Claros e mais especificamente na região da Barragem de Juramento, visando provocar chuvas que permitam recuperar o nível de água na barragem responsável por 65% do abastecimento da população local.
O objetivo é aumentar a quantidade de chuvas no local.
O superintendente regional da Copasa, Roberto Luiz Botelho, explica que as aeronaves estavam na África, para provocar as chuvas, e já retornaram ao Brasil. A Modclima Serviços Aéreos venceu a licitação no valor de R$1,291 milhão para, em quatro meses, aplicar a tecnologia de indução de chuvas. A tecnologia faz a aspersão de nuvens, com as microgotas, provocando as chuvas. Essa técnica é usada pela estatal paulista Sabesp, com bons resultados.
BOMBARDEIO DE NUVENS
Também conhecida como pulverização ou semeadura de nuvens, essa técnica consiste em lançar no céu alguma substância que facilite a formação de gotas de chuva. O componente mais usado é o cloreto de sódio, o popular sal de cozinha.Em contato com o vapor d'água da nuvem, as partículas de sal atraem minúsculas gotinhas, iniciando a criação dos pingos de chuva. Parece um método infalível, mas, na verdade, o bombardeamento é bastante polêmico. “Esse artifício só faz chover em nuvens que já tenham vapor d'água em quantidade suficiente. Isso quer dizer que ele não produz chuva. No máximo, pode acelerar uma”, afirma o meteorologista Augusto José Pereira Filho, da Universidade de São Paulo (USP). Até hoje, ninguém conseguiu provar a eficácia do método.
Outro problema é que ele pode ser perigoso para o meio ambiente, pois, apesar de o produto lançado não ser tóxico, modificar o clima pode trazer resultados imprevisíveis no futuro. Mesmo com tantos poréns, o bombardeamento se espalhou nos últimos 50 anos porque é uma técnica relativamente barata. No Brasil, a experiência mais duradoura ocorreu no Ceará. Em 1972, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) criou um programa de chuva artificial, com o bombardeamento por aviões, para tentar refrescar o semi-árido nordestino. Como não houve nenhum aumento significativo nas precipitações, o projeto foi encerrado em 2000. “No sertão, a umidade do ar não consegue subir e levar vapor para as nuvens. Aparentemente, não adianta bombardear, mas seria preciso uma avaliação com equipamentos meteorológicos de última geração para dar uma resposta definitiva”, diz o meteorologista David Ferran Moncunill, da Funceme.
Brasil experimenta a “dança da chuva” high-tech
Em 1950, o Estado do Ceará começava seus primeiros experimentos de bombardeamento de nuvens para tentar contornar a seca no Semiárido. O programa, criado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), perdurou por décadas até ser encerrado no ano 2000, por não demonstrar aumento significativo nas precipitações.
Além do Ceará, o Estado da Bahia também coleciona uma história particular de indução artificial de chuva, mais recente e aparentemente mais bem sucedida. Em meio à seca histórica que castigou a região em 2012, foi criado um projeto conjunto, para amenizar os estragos, entre as secretarias de Agricultura, Meio Ambiente, produtores baianos e a empresa ModClima – a mesma contratada pela Sabesp para fazer chover em SP. A ideia era estimular precipitação suficiente para garantir uma boa condição de solo e salvar a produção de abacaxi da região de Itaberaba. Foram realizados 17 voos de semeação usando água potável que geraram 14 chuvas, segunda a empresa. A empreitada custou cerca de R$ 200 mil, tirados de recursos próprios das secreatrias de Agricultura e Meio Ambiente.
Segundo afirmações à imprensa feitas pelo secretário estadual de Agricultura, Eduardo Salles, as chuvas pontuais foram suficientes e salvaram a lavoura daquele ano. Apesar dos resultados satisfatórios, o governo da Bahia não levou o projeto à frente como parte de uma estratégia de gestão maior. O argumento oficial foi de que o alto custo – R$ 6 milhões ao ano – teria tornado a semeadura um projeto inviável para as pastas. Com isso, o projeto virou um plano B, “até porque não resolvia o principal problema, que são os baixos níveis nas barragens”, conforme afirmou o próprio secretário de Agricultura na ocasião.
São Paulo já tentou fazer chover antes e…
A técnica aplicada na Bahia é a mesma que São Paulo vem utilizando desde 2001, quando foi firmado o primeiro contrato com a empresa ModClima. Ao todo, segundo informações disponibilizadas no próprio site da companhia, já foram realizados 7 contratos de médio prazo com a Sabesp para induzir chuvas sobre os Sistemas Cantareira e Alto Tietê. A medida é encarada com reserva por especialistas da área consultados por EXAME.com. Para o professor Augusto Pereira Filho, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, o procedimento de semeaduras em nuvem é incipiente. O especialista é autor de um artigo que analisa a precipitação na área da bacia do Rio Jaguari entre os meses de novembro de 2003 e fevereiro de 2004 quando se utilizou a tal técnica.
“Os resultados indicaram diminuição de 200 mm sobre a bacia em relação às áreas vizinhas e uma anomalia negativa de 300 mm quando comparado com 2003 no mesmo período”, diz o resumo do artigo. Além disso, foi realizada uma análise da acumulação de chuva diária entre maio e dezembro de 2004, quando se utilizou o procedimento sobre a mesma bacia. “Neste segundo período, choveu menos na bacia em 90% dos dias do que em áreas vizinhas. Nos outros 10%, choveu mais, porém com baixa acumulação em geral. Assim, na melhor das hipóteses, o procedimento de semeadura de nuvens resultou incipiente”, diz o professor. “Em momentos de crise, sempre surgem soluções milionárias, mas que deixam a desejar”, acrescentou o especialista à EXAME.com.
É difícil prever efeitos indesejados
Celso Oliveira, da Somar Meteorologia, questiona a precisão da técnica de semeadura. “Não é possível representar a atmosfera em laboratório, então não dá pra saber exatamente como isso vai funcionar no ambiente natural”. Ele destaca que mesmo com a carência geral de chuvas, a operação é arriscada porque pode até provocar chuvas onde não se deseja que ela caia.
Outro ponto que preocupa o especialista é a dificuldade em determinar a real contribuição da técnica para a ocorrência de chuva. Explica-se. A semeadura feita pela ModClima baseia-se na pulverização de água potável em nuvens com chance potencial de precipitação. Quer dizer, a natureza tem que ajudar.
Segundo o meteorologista, há previsão de chover a partir da segunda quinzena de fevereiro em São Paulo. “Qual será a porcentagem de contribuição gerada pela natureza e qual será a da empresa?”, questiona. A conferir.
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